terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A quimera

Traga o dinossauro Barney de volta, quero sacolejar os meus braços de novo e não achar isso bobo, desentender porque os adultos estão rindo de mim se eu estou sendo o mais legal da minha velha infância.

Eu soltava pipa e tinha medo do confronto com as demais, demoravam séculos para construí-la e porque arriscar perdê-la se ela era o único motivo que me fazia gostar de acordar cedo? Quero o pé de jambo de volta, correr com medo das ameaças da Dona Íris de jogar água quente.

E eu que me achava tão fraco por chorar depois de ralar o joelho... Tira essa conta de aluguel, porque cá estou eu a pintar o meu nariz. Correr sem medo de tropeçar, dançar como for sem medo do vexame, querer crescer, porque hoje eu só quero diminuir e a única vontade de pular é daquela ponte para o mar...

Cá estou eu a mendigar a minha infância, enquanto eu tomava leite para crescer forte e sadio... Queria eu saber os segredos da puberdade junto com os meus amigos, agora que crescem as barbas queremos os segredos da infância, mas dessa vez estamos separados.

Reconhecer-me-ia a se esconder nas ruas quando hoje eu flerto nelas? Dar-me-ia um doce ao invés do cigarro. Era um pássaro livro, contrastando que agora vivo a pedir as pessoas as penas para conseguir voar novamente. Eu ainda sou uma criança que anseia a história e o beijo de boa noite, mas hoje as histórias terminam em tragédias e os beijos de boa noite dizem silenciosamente: “talvez eu não o veja amanhã”.

Quero minha colher com danone e poder lambê-la embaixo, quero dizer adeus aos assaltos. O meu amor era só de pai e mãe, agora tenho que lidar com a dor. Peço perdão pelas campainhas apertadas, Deus, mas agora já podes me devolver a vida.

Quero pintar o sol com um pincel azul, roubar a cor da estrela para mim e perguntar como ela consegue ser só e brilhar tanto, então talvez eu cale a solidão, parar de mostrar os músculos quando só tenho os ossos e deixar guiarem a minha mão.

Quero parar de ser testemunha dos suicídios dos meus amigos. Quero parar de ser testemunha de suas partidas.

Quero poder dançar e não ter os pés esmagados, mas esmagar os de outra pessoa, porque eu não sei guiar nessa dança e não sei pra onde ir. Quero ver as luzes de natal e ficar boquiaberto, esperar o Noel entrar pelo teto. Largar esse vinho e ter de volta ao mingau, ajudar a pintar a casa e me sujar de tinta, não de monóxido de cálcio, quero desaprender para reaprender a vida, segurar na mão, não bancar o corajoso e percorrer a trilha.

Eu cresci duzentos anos, mas dá saudade de ter onze...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Poema Urbano

Repouso debaixo do teu cobertor
Tremendo de dor
Suspirando a carícia da noite seguinte
Sentindo o quinhão cruel do dia
Mergulhando no pote da pia
Ignorando as investidas
Anda, tira a roupa que já eu quero dormir
Anda, fala-me boa noite que eu já quero sonhar
Enquanto estiver só me olhando, eu direi tudo bem
Até gosto um pouco de masoquismo, mas nada lá muito exagerado
Agora me deixa ir
Quero deitar
Vou ali me ajoelhar e falar amém
Sentir o estrago, dar um trago, puxar um baseado, delírio da matina, estupro da rotina
Agora cala a boca que os meus pensamentos estão sendo interrompidos pela tua saliva
Desce um pouco e me deixa provar dessa boquinha
Perfídia, lascívia, luxúria, palavra rimada, letra soletrada, Hiroshima.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Os rancores do meu bem-querer



Escrevo-te uma rima sem verso, um refrão sem melodia, porque aprendi a te amar em silêncio, um amor de calmaria e temporal, porque se for apenas calmaria, tu abandonas-me pela rotina e falta de expressão, se o for somente temporal, tu abandonas-me pela intensidade e ferocidade que fazem a insanidade crescer e tu ficas com medo de perder o controle.

Tudo é medo, medo é a razão emocional da inconstância do nosso relacionamento, é a razão pela qual não fujo e a emoção pela qual não fico, ambos são medo de te perder e acabar com uma xícara despedaçada no chão, porcelana espatifada.

Enquanto catamos os vidros, um ou outro corte vai surgindo, porque para a ressurreição acontecer a dor é pré-requisito e por mais resistente que o meu navio seja e que o mapa esteja em minhas mãos, os icebergs sempre mudam de lugar e aqui já não está mais presente o bom navegador de outrora.

Tanto quis te ter que forjei asas nos teus pés, limito-me para que não repouses e nem voe além do céu, você acabará nos queimando, minha Santa Inquisição, viemos do pó e para o pó retornaremos.

Para toda ação há um braço que pende, e a morte não é a dor da vítima, mas dos impactos de estar sem ela, ela... A dor ou a vítima? Romanescas e pitorescas, meus privilégios de alma baronesa.

Quero ser Arlequim, tu me pedes pra ser Pierrot, mas acabo tendo que assumir o papel de Colombina para te dar sentimentos e em troca me dar teus quilos de carne e ossos.

Pede-me para que partas e fique, vivo em uma eterna febre, dividido entre o quente e o frio, uma armadura de gelo que se desmorona em flocos de neve que caem e o meu coração que repousa no meio dos teus dentes parece gostar do estrago.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Cadeia Alimentar - Pra Manter ou Mudar

“Sou o planeta Terra a observar o seu satélite natural, mas nunca descobrirei o lado oculto da lua, pois giro com ela em torno de mim e de algo maior que também nunca descobrirei, somente sei que um ofusca e o outro obscurece, preto e branco, alfa e ômega, sol e lua.”


Sempre imaginei que soubesse tudo de mim, porque já me procurei dentro de mim e me interiorizei de maneira singular a ponto de olhar no espelho e perguntar quem era aquela pessoa e o que fazia com a minha vida, tolo eu fui, porque se descobrir é achar e reconhecer os seus pedaços nos corpos de outros, porque somos soma ou multiplicação, pelo menos isso está no controle de ser decidido.

E se me perguntarem quem sou não poderei dizer o meu nome, pois seria eu outra pessoa se tivesse um nome diferente? Também não poderia dizer o que sei, porque tudo que eu sei alguém me ensinou? Também não poderia dizer uma música de Chico Buarque, nem um verso de Clarice Lispector.

Sabe o que sou? Sou os restos mortais de algumas somas de cadáveres que serviram de alimento para alguns saprófagos e esse transformaram matéria inorgânica em orgânica para o solo que fornece sais minerais para as plantas que foram digeridas por algum ruminante (aquele que produz gás metano e aumenta o aquecimento global) que foi devorado pela minha mãe em um desses desejos loucos de período de gestação e que me serviu de alimento através da placenta.

E não escolho minha aparência (selecionada pelos genes disponíveis dos meus pais que foram reunidos em dois gametas e, logo, um zigoto), meu nome (selecionado em uma lista de nomes com “M” e escolhido por um devaneio de espírito maternal), o que leio e o que aprendi (limitados por uma época, descobertas, seleções de “cultura” e bases de estudo).

Então o que seria eu, e só, é uma imagem na frente do espelho que de tanto mudar (porque sou mutante), já não me reconheço e pergunto quem é, mas me responde simultaneamente, “eu sou tu e tu és eu” e essas palavras todas não saíram de uma boca apenas, lembro-me que estremeci.

“Não se pode entrar duas vezes em um mesmo rio”, porque quando o entrar de novo sem tu serás o mesmo, nem o rio.

Sou o acaso de umas mortes cardíacas, decompositores, vegetais, animais, desejos, puberdade, Freud, sexo e orgasmo. Sou como tantos outros, mas estou são enquanto vocês dormem. Essa baboseira toda de terceiro olho.

E se és cristão, notarás que somos descendentes do barro e de incestos entre os filhos de Adão e Eva. Se és ateu, acreditas que tudo é o acaso de uma macro explosão. Se és eu, concluirás que independente das teorias de como o mundo surgiu, todos somos efêmeros e diminutos, que não temos lá algo de surpreendente, mas que imaginamos isso por não querermos admitir nossa própria identidade e a falta de objetivos que é tudo isso.

Tu podes-me dizer que és um sentimento, um amor, talvez... Porém tudo o que sentes é pertencente à outra coisa/pessoa que te faz sentir aquilo, então poderias dizer que és a soma/multiplicação/exponencial (depende da frequência) de tudo o que faz os outros sentirem, mesmo sendo sentimentos manipulados ou não, te pertencem e te fazem.