segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A guerra no espelho - O batizo, a fuga e o conflito

  
Mergulhei a cabeça n’aquelas frias águas cantando um mantra “Hare hare...” – e as palavras se tornaram bolhas e subiram pelo meu ouvido para ficar a ecoar na eternidade do meu rebatizo, troquei o nome para absorver a alma alheia, arranquei-a com as minhas mãos, não consegui tirar toda a alma, mas a parte que levo alivia quase todo mundo, eram a minha alma e parte suja da alma do mundo sendo devoradas pelos dentes de um demônio, deixo-me de ser para me batizar, eis meu nome: Dor.

Era eu só, mas me uni à completude de uma parte, fundi-me para ser completude de um todo somando as partes, porém, depois do ritual antropofágico e a da digestão, fiquei só comigo na eternidade do rebatizo, meu limbo...

Depois da eternidade do limbo, há a eternidade da morte, onde se morre todo o tempo e o tempo não há, não se escapa, não se foge, permanece lá, porém existe chance de sair deixando parte do corpo, como se dor fosse a tatuagem  de quem escapou da morte com um membro necrosado...


E nunca desprega totalmente do corpo, a dor, por mais que lave, ensaboe, nada adianta e carrega sempre aquele ar pesado até no sorriso mais bonito... “Há sangue em minhas mãos!” foi aquele miserável que queria pular os campos dos morangos mofados, que é protegido por arame farpado, com duas grandes mochilas nas costas... Era salvar uma e carregar por toda a vida os pensamentos de como poderia salvar as duas, mas havia sangue em suas mãos, sangrava muito... E, deus, como estava cansado, talvez tenham lhe drogado,  soltou as mãos do arame farpado e caiu com as duas, sua ambição e sua necessidade, no chão, em breve, logo alguém apareceria para separá-los e encarcerá-los  naquelas celas imundas, onde até os sentimentos são barrados, mas que ninguém sangrava, só sentiam A-GO-NI-A... Ou pulavam do banquinho com uma corda no pescoço, ou viveriam a eterna agonia até que algum outro ousado fugitivo os libertassem dali... Até a amargura tem lá suas doses de esperança.

No fundo, todos querem fugir de tudo, porque se apavoram com as prisões, então há de vir alguém com algemas fortes o suficiente para não serem quebradas e fracas o suficiente para não lhes ferir os pulsos, ouvir todos os gritos de protesto até que lhes faltem a voz para, enfim, aprender que é melhor se acomodar do que ter a ilusão de que a vida é ser um eterno aventureiro... Temos que parar de ter medo e começar a sentir o cheiro do lar.

AAAAAAAAAAHHHHHHHHH! Rasguei-me e me reparti em dois, um pro inferno com essas acomodações e conformações que nos impõe a “vida adulta”, outro no inferno inventando que está no céu, brincando de fantasiar o mundo, querendo nada, fugindo de tudo, as ilusões de uma eterna criança no berço, achando-se o dono do mundo e se convencendo de que tem um colete à prova de realidade, indo para o tiroteio com a cara pintada dizendo: “EU AGUENTO TUDO SOZINHO!”

Os dois tão miseráveis... Um amargurado e desiludido, outro sonhador e ingênuo... Coloque-os em uma balança com uma corda no pescoço de cada um, hão de despertar e o mais pesado colocará os pezinhos no chão, o outro morrerá sonhando ou amargurando, o sobrevivente estará desperto, vivendo... E, sim, foi isso que tu entendeste, leitor: para um viver, o outro tem de morrer.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Esquerda, direita

 


Há dias venho procurando o meu tempo, onde pertenço, se aqui, ali ou mais adiante, então o tempo me vem à cabeça como vários tropeços, quedas contínuas que você tem que se acostumar sempre de joelhos ralados. Há dias venho procurando meu lugar, onde pertenço, não sei se acolá ou aqui, mas sempre me pego distante demais, nervoso demais... Sem lugar, sem tempo, somente uma casca vazia vagando pelas estações, esperando um trem que nunca. Um empurrão que falta. Duas ou três doses de tequilas e já é o suficiente pra fazer o meu mundo girar, ficar de cabeça-ponta. É estranho ficar perambulando quando você não sabe de onde veio, pra onde irá, todos os lugares que eu parti, todos os lugares que eu ainda vou chegar e ter que fazer uma escolha. No final, as coisas sempre acabam perdendo a graça, por isso resolvi parar de pensar nisso, manter outro pensamento em foco na mente, deixar os dados rolarem sobre a mesa sem precisarem da minha ajuda. Eu sempre dô um jeito de me perder, mas é muito complicado me achar, convencer-me de que eu só faço mal a mim mesmo em qualquer quantidade de fim de semana. Há frutas escorrendo pelos meus olhos. Há árvores desabando em cima de mim. Eu escutei o barulho do vento e ele me pareceu uma moto. E estou sempre aqui, parado, a contemplar tudo passando por mim e eu sem poder agarrar, sendo passivo a qualquer tipo de acontecimento, deixando o vento levar tudo o que eu deixei que levasse por preguiça ou por capricho. Não é que a vida tenha perdido a graça... Pensar demais é que é o verdadeiro problema disso tudo, sabe? Tomar decisões apenas na mente, deixar de fazer o que quer, deixar de viver o que quer por causa dos outros não me parece ser lá muito saudável... Tudo bem, você pode ter entendido errado, não é que estou falando que a felicidade está presente nos inconsequentes... Pra começar, eu nem acredito em felicidade. Mas, sim, os inconsequentes são menos infelizes. Eu só continuo com medo de não me achar, mas arriscando me perder. Sabe como é, cutucar onças com varas curtas... Mas creio que em algum lugar ali fora, ou mesmo aqui dentro, haja um lugar e um tempo onde se possa viver sem pensar em morrer.