quinta-feira, 29 de julho de 2010

O Jardineiro


Tenho uma tragédia a declarar, não sei se é bem uma tragédia, pois nunca me deparei com o contrário, mas tive o enorme desprazer de sentir uma descasual fatalidade, quase simplória.

O problema é que não conseguia sentir o aroma das flores. Em vários poemas, prosas, quadrinhos e outros... Tinha visto falar do tão puro e doce aroma das flores. Frustrei-me! Porque todos eles conseguiam sentir e eu não? Era eu indigno? Um jardineiro que cultivava em terras mortas...

Da última vez que tentei sentir o aroma de uma flor, tive o infortúnio de tomar em minhas mãos: rosas vermelhas e espinhentas... Cortei os meus dedos com os seus espinhos como uma punição, jorrava sangue naquelas feridas e misturavam-se com as pétalas daquelas rosas, sangrei muito e não consegui sentir o aroma.

Afinal, onde estavam aquelas tão proferidas flores descritas com cheiros estonteantes, as doces, as amargas e as queridas, que lhe conquistam com apenas o odor e a visão? Havia eu sido enganado todo esse tempo? A minha busca insaciável era em vão? Não! Eu simplesmente não poderia aceitar... –Continuarei procurando até encontrá-la!

Subi no cume de uma montanha, o céu estava nublado e cinza, relampeando e dando umas efêmeras pinceladas de azul. Subi e encarei Deus, gritei para ele: Dê-me! Dê-me! Dê para mim essa flor! Porque me privaste de tal divindade? Não passei toda a minha vida se dedicando a você? E para quê? Para que me negastes um simples aroma de flor? Ridículo-. Começara a chover e desde então, sempre assim... Chuva.

Agora tinha um nojo extremo de Deus. Passei a, desesperadamente, buscar todas as flores, todos os tipos: tanto em cor, como em tamanho, vitalidade e forma geométrica... Queria e teria de conseguir aquilo...

Trancafiei-me em uma gruta, nunca mais iria sair dali, tinha medo e inveja, sentia-me sujo e infantil, por isso não teria coragem de ir ver a luz do sol novamente, tinha pouca ousadia para comigo... Não achara a flor certa, tinha calos nos pés e feridas nas mãos, estava exausto.

Em um dia qualquer, eu também estava enjoado de estar ali, afundei-me aventurosamente pela gruta e descobri que lá havia plantas... Fiquei contente e abri um sorriso. Uma daquelas plantas, cansada de repetições, olhou para mim e naquele exato instante soube toda a minha história, falou:

-Não cheire com o nariz, cheire com os olhos.

Subi e me arrependi... Estava chorando... Sob aquelas lágrimas fez-se uma planta com flor possuir o aroma.

Um comentário:

  1. Pois é. Aqui eu fiquei, olhando pra página, pensando se isso foi uma metáfora de propósito ou se foi meio sem querer. Porque eu já tirei minha liçãozinha do dia em ler isso.

    Beijos.

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