quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Desabafo Poético


Eu estou me afogando e é tão asfixiante quanto um travesseiro mergulhado com delicadeza no meu rosto, mas não morro, porque ele é retirado com intervalos padrões e depois é docemente repousado na leveza de uma mão feminina.  Tem um furo no meu barco, alto-mar, não sei o que fazer, espero com um sorriso colado no meu rosto.

Agora a água está no meu queixo e preciso inclinar a cabeça para respirar, ainda não sei o que é essa instintiva vontade de lutar contra essa vontade nada natural da natureza, mas luto e permaneço em luto, luto dos amores, agora cravados no chão juntos a datas de início e término, luto das dores, luto do meu embriagado corpo, luto...

Tudo agora é refletido em marasmo e em marasmo fica, vida pacata, constante infinita em um eletrocardiógrafo morto e que anuncia a minha morte, mas queria eu aquelas vibrações insinuativas?

Meu corpo agora afunda e estou tranqüilo, penso que essa água toda apareceu para compensar aquelas tantas vezes em que as impedi de escorrem pelo meu rosto, pelo menos esse sorriso que agora expresso é íntimo.

Por mais que aquela água queira me limpar, eu continuo sujo, não sei se é o meu buraco negro que está insaciável dentro no meu estômago espalhando toda a podridão lamacenta ali resignada há séculos ou se estou me banhando em águas sujas...

O meu ser agora berra, berra levezas que não deveriam ser ditas, mas berra para dentro. Sou como uma folha caindo de uma árvore na primavera, mas não sei mais se tenho o direito de dizer quem eu sou, porque eu não reconheço essas mãos calejadas que vejo quando tento estendê-las à frente.

Sou chama, mas não chama intensa, sou a verdadeira chama e sempre que me olho no espelho tenho muito medo das minhas pupilas, desvio o olhar e fixo-o ao chão em tentativa desesperado de temer olhar para aquele poço profundo e profundo, porque é negro e negro é ausência.

Fico a refletir com as borboletas de asas negras voando esperançosas no meu quarto, são sonhos, não pesadelos, voam e me fitam adoravelmente, como se contemplassem um deus ali presente, elas percorrem todo o meu corpo e eu me delicio com a sensação de superioridade, finalmente elas pousam em mim, simultaneamente, minha mente estremece e com instinto “divino” as repilo dali, elas esvoaçam pelo meu quarto e parecem um tufão sugador, convidativo e mais uma vez... Negro.
Ah! Como é bom ser superior às borboletas.

As formas turvas e cinzas forem se contorcendo até readquirirem reais aparências, eu havia me esquecido de como elas eram, eram horrendas e espalhafatosas, causavam certa ânsia na visão, se essa for capaz de ter ânsia... Também notei que de todas aquelas vezes que eu julgava ter renascido eram vestes, desejos calados de renascer, não gostava de estar vivo naquele mundo, sou apenas um pássaro novo no ninho, um pássaro sonhador...

Agora, estragam-me as dúvidas e incertezas da rubra e contínua mancha emanando de um defunto preso ao meu lado, ou dentro, ou fora, um destes, porque continuam sendo incertezas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Olheiras

Era um mazelado
A jogar o ventre fora
Regava, o mendigo
Esperava uma flora...

Tinha uma xícara de café em mãos
Virava, remexia e não bebia
Derramado, o líquido, queimara-lhe os olhos
A xícara então caiu da varanda...

Tinha os olhos fundos e miúdos
Um claro vagabundo
A procurar relento em meio a pescoços.

Caía...
Caía...
Adeus, xícara
Porcelana espatifada.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Ergastenia


Olhos de escárnio, isso que eram. Olhos cheios de escárnio e os olhos dela sorriam. Sorriam escárnio. Olhos penosos, dignos de pena, isso que eram, mas era pena de dó e a pena não era por causa da dona dos olhos, mas àquela infame criatura agonizante estática ali defronte a ela.

Ela era alva, quase reluzente, tinha um tom róseo, porém detrás daquela roupa, escondiam-se umas pérfidas manchas, sim... Traidoras. O aroma pútrido que emanava das manchas adentrou o meu nariz e me enfeitiçara instantânea e momentaneamente, eu havia me tornado um boneco de cera, sem expressões, mas acho que deu para notar as larvas magmáticas despencando dos meus olhos.

Destruí-me e me açoitei... Eu nunca havia de imaginar que a Dor tinha uns pezinhos tão delicados. A Dor era para ser estupidamente horrenda, mas ela reluzia com os olhos naquele corpo que propagava certo cheiro de enxofre devido armazenar corpos em decomposição.

Lábios eméticos e dilacerantes, mesmo antes do toque, talvez o seu escarro seja mais limpo do que o próprio corpo.

Aflito eu pensava e repassava todas as cenas que foram programadas à semana inteira. Ela trouxe para mim escárnio, zombaria, infidelidade... Garota honrosa... Atravessei os braços dela e o que sobrou foi:                    ...

Terei eu que arrancar tua pele? Tenho curiosidade de ver o que tanto ocultas. Cuspirei em ti lástima furiosa, porque já fiz de teus braços meu pranto e agora é algo reciclável.

Era ilusão e eu um fantoche para as horas vagas. Estava claro. Minha vez de sorrir. Nada mais de sonhar com borboletas, eu deveria permanecer na lama, pois é comprovado cientificamente que ela faz bem para a pele. Você é vinho com todos os efeitos do mesmo, mas quando passam... O que sobra é: abstinência, nostalgia, depreciação, ressaca e muita dor de cabeça.

Abrirei tua carcaça!

domingo, 10 de outubro de 2010

No meio do sorriso


No meio do sorriso tinha uma mazela
tinha uma mazela no meio do sorriso
tinha uma mazela
no meio do sorriso tinha uma mazela

Nunca me esquecerei do ocorrido
na vida de minhas pálpebras tão entediadas.
Nunca me esquecerei que no meio do sorriso
tinha uma mazela
tinha uma mazela no meio do sorriso
no meio do sorriso tinha uma mazela.

sábado, 2 de outubro de 2010

Eu tenho fome e pareço não me encher

Eu tenho um buraco no meu estômago por onde escorrem os alimentos e são pouco absorvidos, passam a cair pelo meu corpo e ele os trata de maneira indiferente. Estou eu cheio por absorver tanto ou essa fome insaciável me consome?

Ambicioso é querer comer além do que pode e com alvoroço... Causa pena à tua chaga, guarde-se, recolha-se por enquanto, não transpareça fraqueza, repugne todo tipo de remorso. Ambição está intimamente associada à gula. Pecados? Diga-me você, estúpido leitor.

Meu corpo apodrece lentamente por não absorver o tão preciso alimento necessário à vida. Desnutrido, desamparado e largado permanece... Caindo aos pedaços, pedaços secos e enrugados. Epiderme suja, endoderme pútrida, mesoderma entre. Sou um embrião decadente, cheio de vitelo ao redor, mas parece não se encher, quer mais.




Então sento, louvo o acalento.
Deito-me ao relento
Creio no furtivo ventre
Embolo-me na veste presente

Resta-me esperar
Poucos segundos até o ponteiro parar

Sentimentos virgens
Corpo podre
Pensamentos reféns
Paciência de trem

Tudo assim... Um turbilhão.
Que venham então os decompositores.