segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Vidinha - Rônei Jorge e Os Ladrões de Bicicletas

Um impulso nervoso agora me fez vir confessar, como no cristianismo, a esta folha em branco que mesmo antes de começar a escrever não me parecia tão “em branco” assim, estava cuspida de ideias e breves pensamentos metafísicos, todos espalhados, descontínuos, flutuantes e assim permanecerão.

Escrevo-te logo sobre a figura de linguagem para que notes, de cabeçalho, o conteúdo intimista do que se prosseguirá em algumas poucas linhas, conteúdo avulso, embaçado, etéreo e não seria pecar por exagero se disseres que fora originado por influências piegas, nunca neguei ser Pierrot.

São sinapses químicas constantes e que me martelam psicologicamente para me reproduzir no meu diário nada secreto, não sei se é dor, amor, sinônimo, libido, umedecimento das genitálias ou quem sabe seja apenas som.

Sei que ando me martirizando, como membro da Opus Dei, por estar sem objetivos e metas, isso quase soa como piada nos ouvidos dos que, de nascença, tem um histórico de fracassos e óbitos, mal sabem que não sou competidor.

E, por falar em competição, nossa luta de gladiadores com armas nas mãos a destruir os sonhos alheios, há a ferocidade do dia-a-dia, as cobranças rotineiras e por menos hipócritas que sejamos em algum lugar existe uma ou duas ideias de felicidade ou liberdade associadas com condições financeiras, nossa prisão.

Nosso primeiro cárcere é a confortável cavidade uterina materna que em 9 meses torna-se mais do que desconfortável e,  logo depois, uma incubadora quentinha seguida da impenetrável e inescapável fortaleza de quatro paredes que denominamos “lar, doce lar” e começa-se o ciclo vicioso das regras, coisas compactadas em: escola, universidade, trabalho e casamento, agora sim, cidadãos-modelo.

Um troco magro todo fim de mês, conhaque, a depressão que vem com o álcool, o chocolate, a cafeína e a nicotina para nos dar uma efêmera euforia e nos matar por entupir as veias cardíacas, destruir nosso estômago ou termos câncer de pulmão para no fim colocarmos a culpa no sistema. Querido, chocolate nunca vai te amar como tu o amas, cigarro não trará ninguém de volta, beber coca-cola não é a solução e quando se toma Doril, porra de dor nenhuma some!

Não, Dr. André Newman, nenhum de nós sabe o que quer, nós somos os desejos dos outros tatuados nas nossas cabeças e olha só como mudam! Quando criança, eu queria ser chamado de Hércules e ter superpoderes, hoje meu sonho é fazer um ménage e passar no vestibular, mamãe disse que tenho de ser alguém na vida, responda-me: “Já não o sou?!” E isso não é crise existencialista de adolescente, é só aplicar no contexto e “voilà!” transforma-se em K, constante universal, porém as pessoas negarão.

E, se Freud estiver certo quando fala que os sonhos são o desejo do subconsciente, então o nosso verdadeiro desejo só vêm à tona quando dormimos, sejam sonhos de atos deleitosos ou apenas sorrisos. Caso sonho seja interpretado de forma errônea pela polissemia da palavra, é melhor definir de vez, porque os sonhos que vocês dizem possuir estando lúcidos, esses não são sonhos, são valores, são obtenção material e mesmo que seja abstrato é o que os filmes de Hollywood fizeram você pensar.

Antes que minha miserabilidade seja mais exposta e enfim julgada, despeço-me aqui, volte sempre.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Patologia

Angústia, depressão, crise existencial, ciúmes, desconfiança, sorrisos, olhos, vícios, feedback negativo, melancolia, insegurança, essa é a geração da putrefação na adolescência.

Após uma fase de sonhos, realizações, alguns otimismos e outros conformismos do capitalismo em busca de dinheiro, nós passamos a reviver o pessimismo coletivo na adolescência, onde presenciamos adolescentes mergulhados em suas poltronas, assistindo às suas TV's entrando em um mundo que não é seu, fingindo viver uma vida que não é sua e sorrindo, porque isso é o mais importante, comendo exageradamente, como modo de compensar sua infelicidade consciente, e dando belas risadas com qualquer programa de comédia ultrapassada que a mídia nos impõe o, com certeza não morto, The American Way Of Life.

Completamente descrentes na sociedade e em si mesmos, optam por ficarem estagnados a observar a podridão do mundo e se nutrir dela, uma espécie de anti-herói se comparado com as vigorosas gerações anteriores.

São uns desmotivados, sem planos, sem ideias e, se a tua ideia de vida for algo serelepe e risonho, são mortos, não no teor filosófico, pois não são saprófagos, são os devorados, defuntos e estão bem com isso.

Levar uma vidinha mais ou menos, ter um emprego mais ou menos, uma mulher mais ou menos e o bucolismo anexado com a amargura a cada nova vontadinha que surgir de outra mulher, de liberdade, de um amor de verdade, de poder fechar os olhos e sorri. Enfim, levar uma vidinha... E tudo bem.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Alegorieuforia - Só Divirto Hienas

Era um palhaço tão engraçado, mas não tinha teto, não tinha nada e ninguém podia falar com ele não, porque o palhaço não tinha chão, porém era feito com muito esmero. Morava na rua dos bobos, número zero.

De frente para o espelho do seu banheiro e pegando o removedor de maquiagem, ele ia tirando aquele estúpido sorriso vermelho do rosto, revelando lábios sem cor, mórbidos...

Seus olhos negros, outrora verdes, iam se reconfortando com a palidez do seu rosto, achava melhor assim, preferia ser um cadáver ambulante a um cego feliz, os famosos sonâmbulos ambulantes, ele tinha olhos arregalados e não possuía pálpebras.

E era assim todos os dias, tudo sempre igual, acordava cedo e tomava o café, jogava toda a borra no lixo e começava o seu fingimento, enganava a si, aos outros e, principalmente, o sistema, pois necessitava enganá-lo para poder comprar o café e jogar a borra no lixo...

Era robótico, vestia sua bermuda folgada amarela; punha sapatos enormes vermelhos; vestia uma blusa qualquer, portanto que estivesse em farrapos para ganhar mais dinheiro, é claro; colocava o seu chapéu florido e, sem falta, maquiava-se com o seu sorriso artificial e as suas esmeraldas oculares fajutas.

Hora do show, revisava suas piadas e simulava quedas, todos riem, mas são tão infelizes quanto ele, desconfia até que riam da sua infelicidade e mostrava seu estúpido sorriso vermelho e eterno, que provinha de verme, tão infelizes quanto ele, mas também fingiam felicidade com abalos sísmicos em suas famílias, porém tinham que sorrir para os vizinhos e mostrar suas máscaras cheias de cera.

Era um dos milhões de palhaços tristes, mas o único consciente, era um bobo da corte e ganhava dinheiro por “criar” felicidade, mas isso se restringia à teoria, pois na prática nada se perde, nada se cria, tudo se...

Banhava-se com melancolia e bebia tédio, descobriu que somos a merda ambulante do mundo e que a felicidade, tanto quanto a democracia, é utopia e que dinheiro não a trazia, mas diminuía a infelicidade, pois sem ele não tomaria o seu café e não jogaria a borra no lixo...

Era um palhaço e tinha que sorrir para os outros sorrirem, e definhava dentro daquela estufa, onde ninguém era vegetal e nem agrotóxico.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sem título

Dessa vez eu não estou escrevendo como se deve, estou escrevendo de um jeito que está mais para embaralhar ou organizar essas palavras soltas que estão se fazendo e se desmontando na minha cabeça enquanto meu cérebro tenta processá-las, elas vão se perdendo, escapando e não são bem palavras que te escrevo, são sensações, então, dessa vez, não te preocupas se não entenderes algo, estou na mesma situação.

Lembro-me que ia falar de amor, não definição, talvez até algumas frases clichês acompanhadas de superlativos para prolongar as frases de impacto, mas acabei jogando o roteiro fora, agora é improviso. Logo, se tens algo contra pieguices pare de ler agora, vá descansar, existe coisa melhor do que análise de crise emocional; a metalinguagem acaba agora e o próprio texto começa nestas linhas:

Sempre imaginei que (é, eu não tenho ideia de como começar isso, são sensações, não palavras palpáveis) as pessoas sentem ciúmes, porque gostavam muito de alguém e queriam esse alguém só para si, questão egoísta. Parágrafo de vocábulo raso esse, não? Bem, tão raso quanto essa ideia. Tape o seu nariz, feche a boca, vamos mergulhar...

Um relacionamento sempre começa com o corpo, perdoem-me os puritanos iludidos, mas é, daí então se segue para os sentimentos, tão inebriantes e mutantes, porém esse não é o tema agora (erro textual, -4 pontos na redação, certo?), peço perdão por me desfocar do texto, sensações, palavras, ah, tu já sabes.

Retomando: Corpo -> Sentimentos -> Logo após vem os direitos e deveres, porque o relacionamento passa a ser jurídico com ameaça de prisão, solitária e, pior, cadeira elétrica. Então, os ciúmes (quase consigo ver o alívio no teu rosto, ávido por uma narração direta e nutrida), presiguemos... Os ciúmes, diferente do que muitos pensam, vêm pela ausência de amor, ou pela ausência de demonstração de amor, porque causa uma sensação de perda para um dos lados, lado esse que pensa a “amar” (na verdade, exigir) mais o seu cônjuge, que pode até se sentir sufocado por “ser posse” e, o ruim, trás benefício nenhum, pois nem IPTU se paga, enfim... Então a pessoa começa a nutrir algo (não é sentimento) cada vez mais forte, agitado e incontrolável, porque começam as obrigações, vítimas e reféns...

E o amor se torna amor idealizado (lê-se: vai dar-se início à tragédia, até porque amor sem tragédia perde a graciosidade, certo?). O amor idealizado é amar a projeção de uma pessoa que tu criaste para a (o) sua (eu) amada (o), tornando-o outra pessoa, como se mudasse os próprios olhos para deixar de enxergar as imperfeições, passas então a inventar expectativas que nunca serão cumpridas, vem às decepções, as feridas, porém (que lindo) o “amor” se mantém inabalável e, em estado crônico, torna-se amor platônico que nunca vai vir a ser recíproco, porque tu amas o vazio, o inexistente e esse não tem o amor que tu querias para te dares como recompensa.

Amar é (lá vem a definição, depreciável, pois é opinião, não fato, mas quem tem certeza na metafísica?) enxergar (não é ficar cego, não, isso é paixão) tudo de ruim em alguém e mesmo assim amá-lo.

E, por fim, existem as pessoas “imunes” aos sentimentos (os racionais? Não, esses são bem sensitivos), os indiferentes que criam uma casca para se proteger do mundo e isso reflete de maneira muito evidente as suas cicatrizes, mas ainda se fazem de fortes, esses são os mais inseguros, desconfiados e repulsivos (não porque causa repulsão, é porque repulsam), tudo por terem medo, então se enclausuram, mas não sabem que estão, assim, matando-se com as próprias mãos, sufocando-se, um suicídio lento.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Epifania

Um passo e outro, direita e esquerda, eu estava relembrando como andar e se me faltasse à memória, talvez eu caísse.

Era um chão escaldante, não estava descalço, porém minha visão estava turva por causa do mormaço, mal conseguia abrir os olhos e pela fresta conseguia sentir os olhos ardendo, o corpo queimando e os fios de cabelo a me atingirem os olhos...

Caminhava em piloto automático, porém minha mente implorava para ficar e aquele calor fervilhava a minha mente, moléculas agitadas, mas também era incômodo e me fazia fechar os olhos ainda mais, apertava com força... E acabara por virar um incêndio, queimava máscaras, cascas e cacos... Agora, eu era apenas eu, um ser em um corpo, uma superfície plana e só, sem sorriso e sem lágrimas, porque isso são os outros...

Pseudônimos, intrusos, poetas são ladrões, fingidores e pecadores, enfim, estava liberto, independente e só eu reinava, rei autônomo e autoritário, vivia o absolutismo na época do neoliberalismo e, ainda assim, era potência econômica global.

E no meio do caminho pensava no amor. Ai, ai, amor... Já havia me decidido, arrancaria o coração e alma, amaria somente a coisas mortas, pois haviam me dito que os mortos não podem me ferir, então se os meus sentimentos eram para os mortos, sentimentos dos mortos, sentimentos mortos, porque sou cadáver consciente e necrófilo...

Se for para ficar vivo e morrer a cada esquina, prefiro ser um zumbi a vagar por esse purgatório, um decompositor a se alimentar dos mortos, transformando matéria orgânica em inorgânica, era carbono? Alimento-me dos mortos, que trazem em si a fome da vida, eu já experimentei a vida e não tenho saudades dela.

Enquanto caminhava sem rumo, o líquido amniótico descia pelo nariz e permaneci fungando, até que aquele barulho me irritou profundamente, deixei-o escorrer e gritei “Que venham os choques mecânicos, então!”.

O líquido foi substituído por sangue, sangue anuncia vida, eu era um vampiro saprófago e me alimentava da vida dos mortos! Eu tinha um relógio no pulso e ele girava em sentido anti-horário...

O MEU sangue! MEU! Já não sei se era dos mortos ou meu, sabia que ele escorria junto com a minha vida, ou melhor, seria se eu dissesse morte? Era fluxo sanguíneo interrupto com intervalos irregulares, vivia ou morria em intervalos de morte ou vida, sejam essas severinas ou não. Inefável...






Abdicarei da placenta!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Nascer, crescer, reproduzir e morrer

   Se a minha vida fosse um eletrocardiograma (ECG), seriam linhas retas, fixas e estáveis... ----------------------------------------------------------------------------------------------------... Sem picos, sem altos, sem baixos, é tudo pela metade, meio, meio, meio, meio e mesmo com tantos meios nunca se formam inteiros, ele vai se dividindo e são tão infinitos quanto os números.

   Linhas retas significa que o paciente morreu, estou morto, morto, morto, descabelado e com carne viva, que não é tão viva assim, exposta. Sangue já não sai mais, porque ficou contido dentro, é ferimento superficial.

   Não falo "ai", porque penso que seria hipócrita, ter responsabilidades, ter verdades, pausas e desassossegos, não é algo que muitas pessoas reclamam, aliás... Nenhuma pessoa poderia reclamar disso, deveriam reclamar de falta de comida, falta de pasta de dente...

   Mas é isso.

   Por uma responsabilidade para a humanidade, tenho que permanecer calado sem que extravase de reclamações e resmunguentos, vida... Vida. Onde que é ela tá?
   Beijos já não me saciam mais, sexo é algo extremamente repugnante, agrada o meu corpo, não agrada a mim.

   Romances, então... Todos parados, fechados, difíceis, constantes...
   Quando as pessoas perguntam, como você está?
   E você responde "normal", é sinal que está pior do que o "tô mal", porque estar normal, é estar em linhas retas, é estar morno, morto...

   E se você disser para as pessoas, "putz, tô muito mal", as pessoas vão perguntar o porquê, você terá que explicar isso um bilhão de vezes e nenhuma delas entenderá.

   Não tenho do que reclamar da namorada, não tenho do que reclamar financeiramente, não tenho do que reclamar do governo, do país, das minhas saídas, das mulheres, dos homens... De mim mesmo, reclamo, por não ter nada o que reclamar.
   Pois para mim... Não ter um problema, já é um problema.
   É questão de gostar do ruim, do que faz mal..
   Todo ser humano gosta do que faz mal, é proibido, não está ao alcance das mãos.

  
      Eva prova isso.

   Garotas/garotos que correm atrás de garotos/garotas que dizem "NÃO", dizem que "gostam" por puro capricho, só querem ter, possuir, marcar território, mas depois que conseguem, percebem que era só obsessão repentina, louca e desenfreada.
  
   O que é paixão além de obsessão, né?

   E tá todo mundo cego nessa sociedade, todo mundo parado, todo mundo com destinos predestinados, fados e fados de previsões... Todo mundo deveria ser cartomante, mas já sabem o futuro deles, então não tem o porquê ser...
   São.
   É nascer, fazer pirraças para dizer que teve uma infância, assistir algum programa infantil que jugará ser decadente no futuro, aprender a beijar e "pegar" outras pessoas...       É se apaixonar por alguma garotinha super requisitada do colégio, ter um amor platônico, estudar, estudar, estudar... Porque temos que pagar o imposto de renda no futuro, entrar em uma faculdade, especializar-se em qualquer coisa que você não goste para se obter dinheiro, trocar esse dinheiro por coisas que sua ganância pede... Viver o consumismo eterno.

   Enfim, trabalhar... Arrumar uma mulher para chamar de "amor" e tentar sair da sua vida sufocante na cama à noite, quando os casais de filhos estão dormindo...
  
    É trair, ser traído, ir a algum swing para "reavivar" a paixão do casal só para não cair na constância...
  
   É beber, fumar e ter um amigo para ter o seu ombro e chorar berros, dizer que está infeliz, mas no outro dia ter que esboçar sorrisos para os vizinhos dando a impressão de família perfeita, que a felicidade mora em seu lar e tem uma família estável, como se isso fosse vantagem.

    É morrer e não ser lembrado.
   
   É virar cinza e ser devorado por decompositores e nunca mais ser lembrado.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Breve e Cuspido


Não quero. Não exijo. Não imponho. Não tenho problema algum.
Mas...
Quero. Exijo. Imponho. Tenho muitos problemas. Problemas de afeto, problemas íntimos de pescoços e cachos, problemas em sonhos, em pés e abraços... É uma formicação espontânea e involuntária, contrai... Pulsa, contrai e pulsa.
Agora contrai, sufoco... Mas volta a pulsar e se perde em uma veia, que não faz com que ele chegue à outra... Feito um corte sem reparos, feito cacos sem retalhos. Então o meu problema é ter doença... Pathos... Paixão, porque os próprios latinos a apelidaram assim... Então não sei, não sei... O que dizer, o que explicar, o que exigir, o que querer, o que impuser, os meus não-problemas... Porque seriam problemas se assim os chamasse, mas seriam métodos de provação se assim os enxergasse... Cálice, cálice, não quero mais beber de vinho pra me embriagar e cair ao teu relento, tão quente quanto frio, tão doce quanto amargo... Porque se não tem amargo, o doce não fica tão doce assim...

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Xilindró

Suja tentativa de rima
        Foge-me à mão
Tranca-me em seu refrão

Cantiga tão métrica
        Que foge à regra
Enfadonho bordão

Fados de arame farpado
        Pulsos presos a carruagens
Longínquo latido de cão

Amem      as flores
Amém      , ó deus sol, Amon
Enclausurados em linhas de      parnasão
                                                      
“Tenho que desconstruir”
O contemporâneo bordão...
Prefiro o escarro da tua boca em silêncio
Em mais demasiado pão.

Pão, cão, refrão, bordão, ão de são.
Polaca.

                        U    
        Í                                R
  E                    D                  T
    S                                        S
        C                              N
                         O

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Desabafo Poético


Eu estou me afogando e é tão asfixiante quanto um travesseiro mergulhado com delicadeza no meu rosto, mas não morro, porque ele é retirado com intervalos padrões e depois é docemente repousado na leveza de uma mão feminina.  Tem um furo no meu barco, alto-mar, não sei o que fazer, espero com um sorriso colado no meu rosto.

Agora a água está no meu queixo e preciso inclinar a cabeça para respirar, ainda não sei o que é essa instintiva vontade de lutar contra essa vontade nada natural da natureza, mas luto e permaneço em luto, luto dos amores, agora cravados no chão juntos a datas de início e término, luto das dores, luto do meu embriagado corpo, luto...

Tudo agora é refletido em marasmo e em marasmo fica, vida pacata, constante infinita em um eletrocardiógrafo morto e que anuncia a minha morte, mas queria eu aquelas vibrações insinuativas?

Meu corpo agora afunda e estou tranqüilo, penso que essa água toda apareceu para compensar aquelas tantas vezes em que as impedi de escorrem pelo meu rosto, pelo menos esse sorriso que agora expresso é íntimo.

Por mais que aquela água queira me limpar, eu continuo sujo, não sei se é o meu buraco negro que está insaciável dentro no meu estômago espalhando toda a podridão lamacenta ali resignada há séculos ou se estou me banhando em águas sujas...

O meu ser agora berra, berra levezas que não deveriam ser ditas, mas berra para dentro. Sou como uma folha caindo de uma árvore na primavera, mas não sei mais se tenho o direito de dizer quem eu sou, porque eu não reconheço essas mãos calejadas que vejo quando tento estendê-las à frente.

Sou chama, mas não chama intensa, sou a verdadeira chama e sempre que me olho no espelho tenho muito medo das minhas pupilas, desvio o olhar e fixo-o ao chão em tentativa desesperado de temer olhar para aquele poço profundo e profundo, porque é negro e negro é ausência.

Fico a refletir com as borboletas de asas negras voando esperançosas no meu quarto, são sonhos, não pesadelos, voam e me fitam adoravelmente, como se contemplassem um deus ali presente, elas percorrem todo o meu corpo e eu me delicio com a sensação de superioridade, finalmente elas pousam em mim, simultaneamente, minha mente estremece e com instinto “divino” as repilo dali, elas esvoaçam pelo meu quarto e parecem um tufão sugador, convidativo e mais uma vez... Negro.
Ah! Como é bom ser superior às borboletas.

As formas turvas e cinzas forem se contorcendo até readquirirem reais aparências, eu havia me esquecido de como elas eram, eram horrendas e espalhafatosas, causavam certa ânsia na visão, se essa for capaz de ter ânsia... Também notei que de todas aquelas vezes que eu julgava ter renascido eram vestes, desejos calados de renascer, não gostava de estar vivo naquele mundo, sou apenas um pássaro novo no ninho, um pássaro sonhador...

Agora, estragam-me as dúvidas e incertezas da rubra e contínua mancha emanando de um defunto preso ao meu lado, ou dentro, ou fora, um destes, porque continuam sendo incertezas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Olheiras

Era um mazelado
A jogar o ventre fora
Regava, o mendigo
Esperava uma flora...

Tinha uma xícara de café em mãos
Virava, remexia e não bebia
Derramado, o líquido, queimara-lhe os olhos
A xícara então caiu da varanda...

Tinha os olhos fundos e miúdos
Um claro vagabundo
A procurar relento em meio a pescoços.

Caía...
Caía...
Adeus, xícara
Porcelana espatifada.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Ergastenia


Olhos de escárnio, isso que eram. Olhos cheios de escárnio e os olhos dela sorriam. Sorriam escárnio. Olhos penosos, dignos de pena, isso que eram, mas era pena de dó e a pena não era por causa da dona dos olhos, mas àquela infame criatura agonizante estática ali defronte a ela.

Ela era alva, quase reluzente, tinha um tom róseo, porém detrás daquela roupa, escondiam-se umas pérfidas manchas, sim... Traidoras. O aroma pútrido que emanava das manchas adentrou o meu nariz e me enfeitiçara instantânea e momentaneamente, eu havia me tornado um boneco de cera, sem expressões, mas acho que deu para notar as larvas magmáticas despencando dos meus olhos.

Destruí-me e me açoitei... Eu nunca havia de imaginar que a Dor tinha uns pezinhos tão delicados. A Dor era para ser estupidamente horrenda, mas ela reluzia com os olhos naquele corpo que propagava certo cheiro de enxofre devido armazenar corpos em decomposição.

Lábios eméticos e dilacerantes, mesmo antes do toque, talvez o seu escarro seja mais limpo do que o próprio corpo.

Aflito eu pensava e repassava todas as cenas que foram programadas à semana inteira. Ela trouxe para mim escárnio, zombaria, infidelidade... Garota honrosa... Atravessei os braços dela e o que sobrou foi:                    ...

Terei eu que arrancar tua pele? Tenho curiosidade de ver o que tanto ocultas. Cuspirei em ti lástima furiosa, porque já fiz de teus braços meu pranto e agora é algo reciclável.

Era ilusão e eu um fantoche para as horas vagas. Estava claro. Minha vez de sorrir. Nada mais de sonhar com borboletas, eu deveria permanecer na lama, pois é comprovado cientificamente que ela faz bem para a pele. Você é vinho com todos os efeitos do mesmo, mas quando passam... O que sobra é: abstinência, nostalgia, depreciação, ressaca e muita dor de cabeça.

Abrirei tua carcaça!

domingo, 10 de outubro de 2010

No meio do sorriso


No meio do sorriso tinha uma mazela
tinha uma mazela no meio do sorriso
tinha uma mazela
no meio do sorriso tinha uma mazela

Nunca me esquecerei do ocorrido
na vida de minhas pálpebras tão entediadas.
Nunca me esquecerei que no meio do sorriso
tinha uma mazela
tinha uma mazela no meio do sorriso
no meio do sorriso tinha uma mazela.

sábado, 2 de outubro de 2010

Eu tenho fome e pareço não me encher

Eu tenho um buraco no meu estômago por onde escorrem os alimentos e são pouco absorvidos, passam a cair pelo meu corpo e ele os trata de maneira indiferente. Estou eu cheio por absorver tanto ou essa fome insaciável me consome?

Ambicioso é querer comer além do que pode e com alvoroço... Causa pena à tua chaga, guarde-se, recolha-se por enquanto, não transpareça fraqueza, repugne todo tipo de remorso. Ambição está intimamente associada à gula. Pecados? Diga-me você, estúpido leitor.

Meu corpo apodrece lentamente por não absorver o tão preciso alimento necessário à vida. Desnutrido, desamparado e largado permanece... Caindo aos pedaços, pedaços secos e enrugados. Epiderme suja, endoderme pútrida, mesoderma entre. Sou um embrião decadente, cheio de vitelo ao redor, mas parece não se encher, quer mais.




Então sento, louvo o acalento.
Deito-me ao relento
Creio no furtivo ventre
Embolo-me na veste presente

Resta-me esperar
Poucos segundos até o ponteiro parar

Sentimentos virgens
Corpo podre
Pensamentos reféns
Paciência de trem

Tudo assim... Um turbilhão.
Que venham então os decompositores.

domingo, 26 de setembro de 2010

Penúria

O legado da miséria da humanidade
Foi iniciado por feitio sórdido
Julgado pelo divino
Chamam de dogmas celestiais de bondade

Carregamos uma pútrida cruz nas costas,
Os urubus nos rondam, chamam de “ronda”,
Para conhecer a entrada do paraíso para essa nova geração de lástimas
Corja surda, cega e muda

Chagas abertas expelindo pus
Levaram-me a óbito, mas não eram minhas, morri de uma já clichê melancolia
Quero ver minha pátria liberta por além de jus
Não anseio felicidade momentânea com borra de liberdade mísera

Póstumas memórias levam-me
Por entre vermes
A multiplicar-se no esterco.
Concluo com um passado sublime, porém turvo.




"E todos eles pensarão o mesmo no conforto do sepulcro."

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sujamente


Era ele um irlandês no avião viajando para o Brasil e tinha um volume extra preenchendo a sua calça frouxa, estava com a mão no bolso da calça, como se estivesse a acariciar um bebê, porém com uma brutalidade voluptuosa, com os dedos subindo e descendo...

Estava excitado e ansioso, lembrava que um amigo seu, de aparência rústica e simplória, ao contrário dele que era intelectual e sagaz, havia viajado ao Brasil uma vez no carnaval, viu mulheres praticamente nuas, mulatas com ótimas curvas e que dançavam com o corpo todo, requebrando delirantemente os quadris, algumas usavam saias longas e mesmo assim dançavam cheias de graça e exuberância de prazer, deixando com que a imaginação se fertilizasse e desse muitos frutos aos fetiches.

O irlandês, com quarenta e poucos anos, já havia trilhado por vários corpos e posições, mas nunca ouvira falar de tal gingado, nunca tinha vindo ao Brasil e veio com a intenção de achar o que ele tanto procurava. O sexo para ele virara trivial e não gostava disso. Instruíram-no a procurar uma mulher do mesmo nível intelectual, procurara e achou diversas delas, transava com admiradoras de Picasso, fãs de Freud, adoradoras de Hitler, maestras que reproduziam e endeusavam as sinfonias de Beethoven, mas a nenhum delas se entregara por inteiro e o sexo ficara monótono. Ficou em um grava estado de depressão, se colocasse sua vida em um eletrocardiograma apareciam apenas linhas retas, uma eterna constância mórbida ou até mesmo um eletrocardiodrama, galhofa penosa.

Era a última aposta de sair dos olhos cinza e começar a ver a vida com as suas mais diversas cores vivas, doença parasita de daltonismo social. Havia de achar uma mulata que reanimasse o macaco dentro dele e que mais uma vez sentisse luxúria de bode.

Não queria uma mulata qualquer, queria uma de seios fartos e quadris largos, que despertasse desejo só com o olhar, sabia que era pecado, mas preferia uma efêmera vida de pecador a uma efêmera e hipócrita vida de conservador.

Ele tinha uma fome insaciável, uma sofreguidão inesgotável e até quem o via comprando o passaporte sabia de todos os seus pensamentos sórdidos, disfarçava o riso, até mesmo os mais miseráveis que iam com o mesmo intuito riam, tinham uma imagem a preservar.

Desceu aflito do avião, nem sabia direito onde estava e não falava português, ia alimentando os olhos, mas os seus nervos estavam afoitos, não paravam, não paravam, tinha fome e parecia não se encher.

Enfim foi caminhando por uma rua e “onde estavam as mulatas nuas?”, andou, andou, estava quase desistindo quando, subitamente, em uma esquina, em um lugar retangular, viu muitas mulheres com saias longas, cabelos negros, peles morenas-jambo, lábios carnudos, só estranhou o fato de terem muitas roupas, viu que dançavam jubilosamente, pulavam e festejavam.

Entrou no retângulo e viu as pessoas ficarem de joelhos diante uma imagem de um garoto nu, pensou “súcia de brasileiras pedófilas e safadinhas, se elas se ajoelham diante de uma imagem de um garoto nu, imagino o que devem fazer na frente de um homem real”, sua braguilha abriu de tanta excitação, seria um paraíso, percebeu, mas não tomou atitude alguma, deixava seu corpo equilibrar-se com aquele calor do Brasil, clima demasiadamente afrodisíaco, sentia o alvoroço daquele lugar retangular, a agitação molecular fremia a sua carne.

Ele levantou a cabeça e leu “Protestant Church”, ele sabia inglês, notou que todos olhavam para ele e sua braguilha, viu o Menino Jesus no pedestal, pensou “imagine só os puteiros”.